Apenas o fato do uso de uma madeira inédita no Brasil, já seria estímulo suficiente para as mentes criativas de Paulo Alves, Fernando Jaeger, Zanini de Zanine, André Cruz e dos irmãos Sergio Fahrer e Jack Fahrer. Mas foi com o conceito do "Projeto Seringueira", que visa o aproveitamento da madeira da seringueira cultivada, uma das árvores nativas mais importantes da história do nosso país, que a parceria foi fechada. O resultado são seis peças assinadas que já estão à venda nos estúdios de cada designer.

De origem amazônica, os atributos da seringueira não são poucos: madeira clara, diferente do que é usado no País, bonita, resistente e muito durável. O material utilizado para as peças provém de árvores que completaram o ciclo de produção do látex e da borracha natural e foram cortadas para dar lugar a novas mudas. Ou seja, de um produto florestal estabelecido como não madeireiro, onde o objetivo principal é a extração do látex, nasce uma nova fonte de madeira que, além de linda, é ecologicamente sustentável.

Se diferenciando das madeiras que provêm de árvores plantadas e cortadas com o único objetivo de produzir móveis, a madeira de seringueira só é usada depois que a árvore cumpre seu ciclo de produção de látex, e com cerca de 35 anos, é cortada, consagrando-se ambientalmente amigável. Resultado do aproveitamento da árvore que é um resíduo da indústria de látex e borracha natural que vinha sendo usado como lenha. Por ser um material que aceita os mais variados acabamentos e inclusive tingimentos, resulta em peças sólidas e lisas, podendo ser utilizado na fabricação de pisos, móveis, brinquedos, laminados e outros produtos. Apresentando-se assim, uma alternativa ao uso de madeiras nativas na fabricação de móveis e nas peças da construção civil. Ainda, a sua galhada pode ser utilizada como biomassa na produção de energia.

O designer Paulo Alves, à frente do projeto, explica que, por se tratar de uma nova opção de madeira para mobiliário, decidiu trabalhar com a madeira bruta. “Explorar o material de várias maneiras para descobrir suas possibilidades”, relata. O resultado é uma namoradeira onde “é possível ver um pedaço da tora em seu estado bruto somente tirando a casca e aproveitando a própria superfície macia do tronco. Nas extremidades da peça é possível ver todos os anéis de crescimento da árvore, sendo que cada um corresponde ao ciclo de um ano que ela passou plantada”, explica Alves. André Cruz, por outro lado, optou por trabalhar a mistura de materiais. “Usei o concreto, pois vi similaridade com o processo de extração do látex que é líquido ao ser extraído e depois se torna sólido através de diversos processos. Esse material também é inicialmente uma massa líquida, que pode se transformar no shape que quiser”, conta.

Fernando Jaeger decidiu participar do projeto por acreditar na importância deste resgate. “Por se tratar de uma matéria prima renovável, contribui para evitar a exploração predatória de espécies nativas. Há uma grande carência de madeira na indústria moveleira e ter mais uma, além das (poucas) alternativas, é sempre bem-vindo”, afirma. Além disso, Jaeger revela uma predileção pelo material: “sempre fui admirador de madeiras e procuro constantemente descobrir e testar novas essências para uso no mobiliário. Foi assim no início da década de 90, quando divulguei o uso da madeira de eucalipto”, diz Jaeger.

Fomentadores do uso ecologicamente correto de materiais orgânicos, Sérgio e Jack Fahrer fazem parte de um grupo de designers que na década de 90 trabalhou difundindo o selo do FSC® (Forest Stewardship Council®) no Brasil, e que certifica toda cadeia de custódia de extração e comercialização da madeira certificada. “O intuito deste projeto é promover o uso da seringueira, estimulando o reaproveitamento desta espécie de árvore e evitando o desmatamento e extinção de outras espécies ameaçadas”, revelam. Na peça que eles apresentam, houve inspiração pela arquitetura do Estádio do Pacaembu, inaugurado em 1940. “A técnica de madeira curvada, característica dos designers, permite ao desenho leveza e organicidade. É uma cadeira de pés torneados, numa influência direta das peças de Joaquim Tenreiro. O encosto tem linhas curvas, fazendo referência ao desenho do estádio, visto de cima”, explicam.

O mercado de mobiliário confeccionado com esta madeira já está estabelecido há mais de vinte anos em países asiáticos como a Tailândia, a Malásia, Indonésia e Vietnã, tradicionais produtores de borracha natural, com imensas áreas dedicadas ao cultivo de seringueira. Estas, iniciadas com as sementes recolhidas na nossa Amazônia, pelos ingleses no final do século 19, época em que o Brasil era o único produtor de borracha do mundo.

Com isso a cultura da seringueira perdeu espaço no Brasil. “Hoje ainda importamos a borracha natural por que temos uma produção muito abaixo do que consumimos. Uma ironia para um país que detinha a produção total do látex”, afirma Fernando Genova idealizador do projeto e presidente da Madeibor, madeireira especializada no plantio e extração da seringueira.

Alinhada com esse cenário, a Madeibor foi estabelecida no noroeste do estado de São Paulo para viabilizar o aproveitamento desta madeira. A ideia surgiu com as viagens de Fernando Genova para cobrir as feiras do setor da borracha no continente Asiático. Foram seis anos de pesquisa e um investimento de mais de R$ 4 milhões que inclui a compra de uma nova área com um viveiro de mudas de seringueira, estrutura, maquinário e funcionários.

Fonte: Madeira Total